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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro

Veja o que rolou no Jornal do Globo hoje confira,
A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, 
em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o
 apoio se constituiu um equívoco

Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se 

que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. 
E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.

Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações,
como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação
que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego
aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema
que está no Memória, a partir de hoje no ar:

1964
“Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles
que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o
golpe militar de 1964.A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há
como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a
intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”,
“Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns.
Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.

Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe,
 a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos
— Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas.Na noite de 31 de março de 1964, por sinal, O GLOBO foi invadido
por fuzileiros navais comandados pelo Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar”
de Jango, como se dizia na época. O jornal não pôde circular em 1º de abril.
Sairia no dia seguinte, 2, quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso
pelo almirante, “A decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial:
“Ressurge a Democracia”.

A divisão ideológica do mundo na Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas,
se reproduzia, em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e
aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu,
em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada
 para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros. Obteve,
então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do poder
 do Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares para a
posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele tempo,
votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma combinação
ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente da UDN e
o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise institucional.

A situação política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os militares
 mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas
de “base” “na lei ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política,
à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros
 — Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e
o oficialato reagiu.

Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO
durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil
uma democracia. Os militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica.
Na justificativa das Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de
um golpe à esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas,
num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.

O desenrolar da “revolução” é conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram
no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do
presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes
de receber a faixa.

No ano em que o movimento dos militares completou duas décadas, em 1984,
Roberto Marinho publicou editorial assinado na primeira página. Trata-se de um
documento revelador. Nele, ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de 1978,
que extinguiu todos os atos institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus
e a independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das
intervenções do regime no meio universitário.

Destacava também os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas,
ao justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que
a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois,
para conter a irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio
editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo tranquila.
Nas palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora
conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria
do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram,
como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’.
Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o
qual não estaríamos solidários.”

Não eram palavras vazias. Em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o
país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve
ao lado da legalidade. Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a
Revolução de 30, foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946
e defendeu a posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada
por setores civis e militares.

Durante a ditadura de 1964, sempre se posicionou com firmeza contra a perseguição
a jornalistas de esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na
redação do GLOBO. São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de
que ele fazia questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a depor:
 acompanhava-os pessoalmente para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes
 a dar a lista dos “comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de
 maneira desafiadora.

Ficou famosa a sua frase ao general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente
Castello Branco: “Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos
durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise,
mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento,
no menor prazo possível, da normalidade democrática.

Contextos históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições,
mais ainda em rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos,
que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe
para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.

Os homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser
 entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964
pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando
ao bem do país.

À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que
o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período
 que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E,
quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.” Confira mais no site da GLOBO

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